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A Subordinação do Filho ao Pai: Contingente ou Permanente?

Publicada em: 06/03/2025 08:53 - IGREJA

A questão da subordinação do Filho ao Pai tem sido um dos temas centrais na teologia trinitária ao longo da história cristã. Se o Filho é consubstancial ao Pai, como explicar as passagens que indicam submissão? Essa submissão é parte da estrutura eterna da Trindade ou uma função temporária na economia da salvação? Desde os primeiros séculos, debates sobre a relação entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo moldaram a formulação da ortodoxia cristã. O Concílio de Niceia (325 d.C.rejeitou qualquer noção de subordinação ontológica do Filho, afirmando que Ele é “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial (homoousioscom o Pai” (Credo Niceno, 325 d.C.). Com isso, o concílio refutou a visão ariana, que sustentava que o Filho era uma criatura subordinada ao Pai em essência e dignidade.

Ao longo da tradição cristã, Gregório de Nazianzo (c. 329-390 d.C.destacou que a Trindade não possui graus de autoridade, mas opera em comunhão perfeita. Ele argumentou que qualquer estrutura hierárquica dentro da Trindade comprometeria a unidade essencial entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, reduzindo a divindade do Filho e do Espírito a algo inferior à do Pai. Segundo Gregório, a distinção entre as Pessoas divinas não implica uma relação de autoridade e submissão permanentes, mas sim um relacionamento de interdependência e coigualdade.

Apesar do consenso estabelecido nos credos históricos sobre a igualdade ontológica do Filho e do Espírito Santo em relação ao Pai, a questão da subordinação funcional tem sido reinterpretada nos tempos modernos, impulsionada por debates teológicos que buscam conciliar a tradição patrística com as passagens bíblicas que indicam uma relação de submissão funcional do Filho ao Pai. Teólogos como Wayne Grudem, Bruce Ware e Robert Letham argumentam que, embora o Filho seja coeterno e consubstancial com o Pai, Ele ocupa eternamente uma posição de submissão funcional dentro da Trindade. Essa visão, conhecida como gradacionismo, sustenta que há uma ordem fixa e eterna dentro da Trindade, onde o Pai ocupa uma posição de supremacia, enquanto o Filho e o Espírito Santo estão subordinados à Sua autoridade (Grudem, 2009, p. 44; Ware, 2009, p. 87).

Diante desse cenário, este estudo busca analisar se a subordinação do Filho ao Pai é um princípio eterno ou uma realidade temporária vinculada à encarnação e à obra redentora. A partir de uma abordagem bíblica, histórica e teológica, argumentaremos que a submissão do Filho foi voluntária e restrita ao período da encarnação, sem implicar uma hierarquia funcional permanente dentro da Trindade. Dessa forma, reforçamos que Pai, Filho e Espírito Santo compartilham igualmente a autoridade e a glória divina, mantendo a unidade essencial da divindade conforme ensinado pelos credos históricos e pela tradição cristã.

Subordinação Eterna: Análise do Gradacionismo

Definição

A visão gradacionista sustenta que dentro da Trindade há uma relação de autoridade fixa e eterna, na qual o Pai ocupa a posição de primazia, enquanto o Filho e o Espírito Santo assumem papéis subordinados em termos de autoridade. Segundo essa perspectiva, essa estrutura não surgiu apenas no contexto da encarnação, mas sempre existiu como um padrão divino de relacionamento entre as Pessoas da Trindade.

Charles Hodge é um dos teólogos que argumentam que essa ordem se mantém de forma permanente, onde o Pai exerce uma liderança, enquanto o Filho e o Espírito Santo seguem essa estrutura hierárquica funcional (Hodge, p. 335). Para os adeptos dessa posição, essa distinção de autoridade não afeta a igualdade ontológica entre as Pessoas divinas, mas reflete um modelo relacional dentro da própria essência de Deus.

Wayne Grudem pontua que “quando as Escrituras abordam o modo como Deus se relaciona com o mundo, tanto na criação quanto na redenção, afirmam que as pessoas da Trindade têm funções ou atividades primordiais diferentes” (Grudem, 2009, p. 183). Segundo Köstenberger e Swain, essa estrutura hierárquica eterna é refletida na economia da salvação, onde o Pai age por meio do Filho e do Espírito (Köstenberger & Swain, p. 238).

Embora alguns estudiosos, como Bruce Ware, utilizem o termo hierarquia sem hesitação (Ware, 2009, pp. 21, 158), outros, como Robert Letham, preferem o conceito de ordem (taxis), argumentando que essa ordem não deve ser entendida nos moldes humanos, mas como uma disposição apropriada dentro da Trindade (Letham, 2009, p. 459).

Argumentos a Favor da Subordinação Eterna

Argumentos Teológicos

Distinção entre as Pessoas da Trindade – Bruce Ware argumenta que, se o Pai, o Filho e o Espírito Santo compartilham a mesma essência divina e atributos, a única distinção entre eles deve estar na relação funcional. Para Ware, essa distinção funcional é eterna e reflete um padrão de autoridade dentro da Trindade (Ware, 2009, p. 45).

Atributos e Funções – Kovach e Schemm afirmam que a subordinação funcional eterna pode ser observada em dois aspectos principais: a relação entre o Pai e o Filho e o papel do Filho em nome do Pai. Eles argumentam que essa estrutura é essencial para manter a distinção entre as Pessoas divinas sem comprometer sua unidade (Kovach & Schemm, p. 462).

Imutabilidade de Deus – Segundo Köstenberger e Swain, a subordinação funcional eterna garante a imutabilidade de Deus, pois a relação entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo não sofre alterações ao longo da eternidade. Se não houvesse essa estrutura fixa, argumentam, a relação trinitária poderia ser vista como mutável, o que contrariaria a doutrina da imutabilidade divina (Köstenberger & Swain, 2009, p. 239).

Argumentos Bíblicos

Passagens que sugerem subordinação eterna

1 Coríntios 15:28 – “Quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então também o próprio Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos.” Esse versículo é interpretado pelos defensores da subordinação eterna como uma evidência de que a relação de submissão entre o Filho e o Pai transcende a encarnação e continua mesmo após a consumação final.

João 14:28 – “O Pai é maior do que eu.” Para Grudem e Ware, essa afirmação de Jesus sugere que a relação de autoridade dentro da Trindade não se limita à economia da salvação, mas é uma realidade eterna.

O papel do Pai na salvação

Efésios 1:3-5 enfatiza que a escolha para a salvação foi feita pelo Pai, sugerindo uma autoridade primária dentro da Trindade. Gradacionistas argumentam que esse papel do Pai na salvação reflete uma estrutura hierárquica que sempre existiu na relação trinitária.

Argumentos Patrísticos e Históricos

Textos Patrísticos

Tertuliano (Contra Práxeas, 4) – “O Pai é a fonte de toda a divindade, do qual procedem o Filho e o Espírito.” Essa citação é frequentemente usada pelos defensores da subordinação eterna como evidência de que os Pais da Igreja viam o Pai como ocupando uma posição primária dentro da Trindade.

Orígenes (Comentário sobre João, 13.25) – “O Filho é inferior ao Pai, pois o Pai é maior que o Filho.” Orígenes, apesar de sua teologia ser posteriormente corrigida em alguns pontos, é citado para sustentar a ideia de uma relação hierárquica entre o Pai e o Filho.

Credos Históricos

Defensores do gradacionismo apontam que a tradição cristã, especialmente nos Concílios de Niceia e Calcedônia, reforça a ideia de que o Filho é eternamente gerado pelo Pai, e que essa geração implica uma relação de autoridade. Wayne Grudem argumenta que, embora os credos afirmem a igualdade essencial das Pessoas da Trindade, eles também deixam espaço para a distinção funcional eterna (Grudem, 2009, pp. 415-416).

Conclusão da Posição gradacionista

Os defensores da subordinação funcional eterna enfatizam que essa distinção hierárquica não compromete a plena divindade do Filho, mas reflete uma ordem apropriada dentro da Trindade. O Pai ocupa um papel supremo, enquanto o Filho e o Espírito cumprem funções subordinadas desde a eternidade.

Por outro lado, os opositores dessa visão sustentam que qualquer subordinação eterna compromete a plena igualdade das Pessoas divinas. Essa contraposição será explorada na próxima seção.

Igualitarismo e a Autoridade Equivalente na Trindade

O igualitarismo, também conhecido como visão da autoridade equivalente, defende que o Pai, o Filho e o Espírito Santo compartilham igualmente a autoridade divina. A subordinação funcional do Filho ao Pai, segundo essa perspectiva, ocorreu exclusivamente no contexto da encarnação e da obra redentora. Millard Erickson argumenta que qualquer referência à superioridade do Pai sobre o Filho deve ser compreendida no contexto dessa submissão funcional temporária e não como uma característica eterna da Trindade (Erickson, 2009, p. 18).

Argumentos Teológicos

A Submissão Temporária de Cristo – A submissão do Filho ao Pai foi voluntária e ligada ao propósito redentor. Filipenses 2:6-8 descreve que Cristo “esvaziou-se a si mesmo” e assumiu a forma de servo, demonstrando que essa submissão foi um ato deliberado e temporário. Gilbert Bilezikian reforça essa ideia ao afirmar que Cristo não foi subordinado ao Pai por uma hierarquia eterna, mas por um amor sacrificial (Bilezikian, 2006, p. 59).

A Kenosis de Cristo – A doutrina da kenosis enfatiza que Cristo, ao encarnar-se, assumiu uma posição inferior temporária, sem que isso comprometesse sua essência divina. Para Bilezikian, a posição de Grudem sobre a subordinação eterna do Filho compromete a kenosis, transformando Cristo em um ser que não era plenamente divino em essência ou função (Bilezikian, 2006, p. 62).

A Relação Pai-Filho na Trindade – O uso dos termos “Pai” e “Filho” não implica uma hierarquia eterna, mas sim um relacionamento funcional durante a encarnação. Norman Gulley argumenta que a relação entre as Pessoas divinas deve ser vista dentro do Pacto da Redenção, onde a submissão do Filho foi um ato voluntário e temporário, refletindo o amor recíproco na Trindade (Gulley, 2011, p. 140).

Argumentos Bíblicos

A Igualdade do Filho e do Pai – João 1:1 afirma que “no princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” Esse texto sugere uma igualdade absoluta entre Cristo e o Pai. João 5:18 também reforça que os opositores de Jesus entenderam suas palavras como uma declaração de igualdade com Deus, e não de subordinação funcional.

A Exaltação de Cristo – Filipenses 2:9-10 destaca que, após a submissão voluntária na encarnação, Cristo foi exaltado sobremaneira pelo Pai, indicando que a submissão foi temporária e não uma condição eterna.

A Plenitude da Autoridade Trinitária – Textos como Mateus 28:18 (“Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra”indicam que, após a ressurreição, Cristo reassumiu plenamente sua posição de autoridade, sem qualquer subordinação funcional.

Argumentos Patrísticos e Históricos

Gregório de Nazianzo e a Unidade da Trindade – Gregório enfatiza que “nenhum é mais ou menos Deus” e que não há divisão de poder dentro da Trindade (Tanner, 2001, p. 28). Esse posicionamento refuta a ideia de uma subordinação funcional eterna, pois reforça que as três Pessoas da Trindade compartilham igualmente a soberania divina.

O Credo Niceno-Constantinopolitano (381 d.C.) – Esse credo reafirma a igualdade plena entre o Pai e o Filho, rejeitando qualquer distinção hierárquica dentro da Trindade. O trecho:

“Cremos em um só Deus, Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. E em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial (homoousioscom o Pai…”

A inclusão do termo consubstancial (homoousios) no credo reafirma que o Filho não é inferior ao Pai em essência ou autoridade, mas compartilha da mesma substância divina. Esse ponto foi crucial para refutar a teologia ariana, que argumentava que o Filho era subordinado ao Pai.

Kevin Giles e a Interpretação da Tradição Cristã – Giles argumenta que a tradição patrística nunca sustentou uma subordinação funcional eterna. Para ele, a interpretação gradacionista da tradição cristã ignora a ênfase contínua na coigualdade das Pessoas divinas ao longo dos séculos (Giles, 2012, p. 106). Apesar de alguns textos antigos parecerem apoiar uma distinção hierárquica, muitos deles devem ser analisados no contexto das controvérsias teológicas da época, especialmente contra o arianismo. Giles destaca que os teólogos Capadócios, como Basílio de Cesareia, Gregório de Nissa e Gregório de Nazianzo, enfatizaram a unidade essencial das Pessoas divinas e rejeitaram qualquer distinção funcional eterna dentro da Trindade.

Conclusão da Posição Igualitarista

Os defensores da subordinação funcional temporária enfatizam que a submissão do Filho ao Pai ocorreu exclusivamente no contexto da economia da salvação e não reflete uma estrutura hierárquica eterna dentro da Trindade. A exaltação de Cristo, a unidade trinitária defendida pela tradição patrística e a interpretação das Escrituras reforçam a plena igualdade entre Pai, Filho e Espírito Santo. Dessa forma, a visão igualitarista rejeita qualquer concepção de subordinação funcional eterna, argumentando que Cristo assumiu temporariamente uma posição subordinada por amor à humanidade e que, após o cumprimento da redenção, Ele reassumiu plenamente sua igualdade e autoridade dentro da Trindade.

Analisando os Textos Bíblicos

A interpretação bíblica da subordinação do Filho ao Pai é central para o debate entre as visões gradacionista e igualitarista. Ambas as posições afirmam a autoridade, inerrância e inspiração das Escrituras, fundamentando seus argumentos em diferentes textos bíblicos.

Efésios 1:3-4, 9-11 e a Eleição Divina

Os defensores do gradacionismo sustentam que esses versículos evidenciam a supremacia do Pai na escolha e no planejamento da redenção, visto que “todas as bênçãos que recebemos vêm do Pai, por meio da obra do Seu Filho, mediadas pelo Espírito” (Ware, 2009, p. 51). Contudo, Erickson observa que outros textos bíblicos atribuem ao Filho e ao Espírito atos de escolha (João 6:70; 15:19; Atos 1:2; 9:15), indicando que a eleição não se restringe exclusivamente ao Pai (Erickson, 2009, p. 124).

1 Coríntios 15:24-28 e a Submissão Final do Filho

Esse trecho frequentemente é citado pelos gradacionistas como evidência da subordinação eterna do Filho, pois sugere que, no final dos tempos, Cristo entregará o Reino ao Pai e se sujeitará a Ele. Dahms argumenta que essa sujeição permanecerá eterna (Dahms, 1994, p. 351). No entanto, igualitaristas como Anthony Thiselton e Gordon Fee defendem que a subordinação descrita nesse texto se refere apenas à culminação da obra redentora, sem implicar uma hierarquia eterna na Trindade (Thiselton, 2000, p. 1231; Fee, 1987, p. 160).

Atos 2:32-33 e a Exaltação de Cristo

O termo “à direita de Deus” tem sido interpretado pelos gradacionistas como uma posição subordinada ao Pai. Wayne Grudem argumenta que essa posição implica submissão funcional (Grudem, 2009, p. 185). No entanto, estudiosos como Darrell Bock defendem que a expressão indica favor, confiança e soberania compartilhada entre o Pai e o Filho (Bock, 2007, p. 183). Efésios 1:20-21 reforça essa visão ao afirmar que Cristo foi exaltado acima de todo principado e potestade, o que sugere que Ele possui plena autoridade e não uma posição subordinada permanente.

João 5:18 e a Igualdade do Filho com o Pai

Os judeus acusaram Jesus de se fazer igual a Deus, o que foi interpretado pelos líderes religiosos como uma declaração de divindade. D. A. Carson argumenta que essa passagem demonstra que a afirmação de Jesus foi vista como uma reivindicação explícita de igualdade com o Pai, o que provocou forte oposição (Carson, 1991, p. 251). No entanto, Carson, defensor da subordinação funcional eterna, entende que essa igualdade não nega uma relação de submissão do Filho ao Pai dentro da eternidade. Assim, o relato de João evidencia que a reação dos líderes judeus não foi apenas contra suas palavras, mas contra as implicações teológicas da sua afirmação, que desafiavam a compreensão tradicional da relação entre Deus e os homens.

Por outro lado, Kevin Giles argumenta que essa interpretação de Carson impõe à passagem um conceito de subordinação eterna que não está explícito no texto. Para Giles, a acusação dos judeus não se baseava na ideia de uma relação hierárquica entre Pai e Filho, mas sim na afirmação radical de Jesus de que Ele compartilhava da mesma essência divina do Pai, algo inaceitável para a mentalidade judaica da época (Giles, 2012, p. 106). Dessa forma, enquanto Carson vê a passagem como evidência de uma estrutura funcional fixa, Giles destaca que o verdadeiro escândalo estava na reivindicação da plena divindade de Jesus, sem implicações de subordinação eterna.

Filipenses 2:6-8 e a Kenosis de Cristo

A passagem destaca que Cristo “esvaziou-se a si mesmo”, assumindo a forma de servo. Os igualitaristas argumentam que essa submissão foi temporária e voluntária, cessando com Sua exaltação (Bilezikian, 2006, p. 59). Já Bruce Ware, sugere que a obediência do Filho ao Pai reflete uma característica eterna de sua relação (Ware, 2009, p. 94). No entanto, Hebreus 5:8 afirma que Cristo “aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu”, indicando que a submissão foi algo adquirido na encarnação e não uma condição eterna.

Salmo 2:7 e a Filiação de Cristo

Este salmo é citado no Novo Testamento para se referir à coroação de Cristo como Rei. Ware, interpreta a expressão “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” como evidência da autoridade superior do Pai (Ware, 2009, p. 47). Contudo, exegetas como Allen Ross argumentam que o termo “gerado” é simbólico e refere-se à exaltação de Cristo, não a uma relação hierárquica eterna (Ross, 2014, p. 208).

A análise dos textos bíblicos evidencia que a submissão do Filho ao Pai esteve intrinsecamente ligada ao plano redentor, e não a uma estrutura hierárquica eterna dentro da Trindade.

Implicações

A questão da subordinação do Filho ao Pai possui implicações práticas na teologia cristã, especialmente na forma como os crentes compreendem a oração e a relação entre as Pessoas divinas. Enquanto alguns teólogos sustentam que a oração deve ser dirigida exclusivamente ao Pai, outros apontam passagens bíblicas que mostram orações feitas diretamente a Jesus (Atos 7:59; 2 Coríntios 12:8-9; Apocalipse 22:20). Os igualitaristas, incluindo Millard Erickson, argumentam que, após a ascensão, Cristo reassumiu plenamente sua glória e autoridade, tornando apropriada a oração a Ele (Erickson, 2009, p. 230). Eles sustentam que a plena igualdade entre o Pai e o Filho permite que a oração seja dirigida a qualquer um deles sem que isso comprometa a distinção funcional existente na economia da salvação. Dessa forma, os textos bíblicos indicam que, ainda que tenha havido uma submissão funcional temporária do Filho ao Pai, essa estrutura não se reflete como uma restrição fixa na forma como os crentes se relacionam com Deus.

Conclusão

A ideia de submissão eterna não apenas diminui a magnitude do sacrifício intencional de Cristo, mas também ofusca a profundidade do amor e da obediência que Ele expressou na encarnação. Se a submissão do Filho ao Pai fosse uma condição fixa e necessária, seu sacrifício poderia ser interpretado como um cumprimento inevitável de um papel predeterminado, em vez de uma entrega voluntária e consciente. No entanto, o valor moral e espiritual da redenção se sustenta justamente no fato de que Cristo, sendo igual ao Pai, escolheu abrir mão temporariamente de sua posição exaltada para se entregar pela humanidade.

A voluntariedade de Sua missão confere à redenção um significado ainda mais profundo. A grandeza do sacrifício de Cristo não reside apenas no sofrimento que Ele suportou, mas no fato de que Ele escolheu submeter-se para cumprir o plano divino. Esse ato não foi imposto por uma estrutura hierárquica eterna dentro da Trindade, mas sim um compromisso consciente e amoroso com a humanidade. Dessa forma, o que torna sua obediência digna de glória não é uma posição fixa de subordinação, mas a decisão deliberada de assumir a condição de servo.

Além disso, a submissão de Cristo, sendo temporária e voluntária, exalta a dignidade de sua obediência. Ele não obedeceu por obrigação, mas por amor, e essa diferença transforma sua entrega em um gesto de graça suprema. A ideia de uma submissão eterna, por outro lado, pode tornar essa obediência mecânica e automática, obscurecendo seu caráter relacional e sua grandeza moral.

Assim, a entrega temporária de Sua autoridade não apenas engrandece a redenção, mas também enriquece a narrativa do sacrifício com um senso de nobreza e dignidade. A submissão de Cristo foi um caminho escolhido por amor, e não uma exigência imposta por uma estrutura fixa dentro da Trindade. Dessa forma, a redenção se eleva a um ato de graça e humildade supremas, onde a obediência de Cristo não foi um dever inevitável, mas a mais sublime expressão de sua glória e amor.

A interpretação dos textos bíblicos sobre a subordinação do Filho ao Pai demonstra que a submissão de Cristo esteve estritamente ligada à economia da salvação. Textos como Filipenses 2:9-10 e João 17:5 reforçam que, após a ressurreição, Cristo reassumiu Sua plena glória e autoridade. A análise exegética sugere que a submissão funcional foi temporária e que a Trindade opera em perfeita comunhão, sem uma hierarquia fixa entre as Pessoas divinas. Assim, a visão igualitarista se alinha melhor com o contexto bíblico geral, rejeitando a ideia de uma subordinação eterna do Filho ao Pai.

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